O RAMALHETE

Localizava-se em Lisboa, no Bairro das Janelas Verdes, Rua de S. Francisco de Paula.

De todos os cenários, o Ramalhete é o que tem maior densidade e virtualidades significativas.

O Ramalhete acompanha o desenvolvimento da intriga e as catástrofes.

A fachada do Ramalhete foi a única secção da casa que ainda se manteve intacta depois das obras realizadas por Carlos.

Na opinião de Vilaça, as paredes do Ramalhete sempre foram fatais aos Maias.

Está ligado à decadência nacional. Aliás, o ramo de girassóis aponta para uma atitude contemplativa de submissão, associada à incapacidade de ultrapassar esse estado rebaixado. Isto reflete não só a presença avassaladora da paixão na família Maia, mas também o estado do próprio país.

O jardim do Ramalhete também é rico em simbolismo. Sobressaem três símbolos: o cipreste, o cedro e a Vénus Citereia.

O cipreste e o cedro, unidos de forma incorruptível pelas suas raízes que a tudo resistem, simbolizam o Amor Absoluto.

A estátua da Vénus Citereia liga-se à sedução e à volúpia da deusa do amor. Passa por três fases: na altura da morte de Pedro, enegrecia a um canto; após a remodelação do Ramalhete, reapareceu em todo o seu esplendor, como símbolo de vida feliz, não deixando, no entanto, de estar ligada à desgraça futura, enquanto símbolo feminino desestabilizador; na terceira e última fase, aparece coberta de ferrugem verde e humidade, assumindo uma simbologia negativa de destruição.

Importa referir também a cascata: a água é símbolo de regeneração e purificação, e o seu fluir representa a passagem inexorável do tempo, associada à ideia de Destino.

O Ramalhete – 10 anos depois (1887)

Passados dez anos, a casa é um espaço frio, decadente, “amortalhado” sob lençóis, uma vez que Carlos levou para Paris parte do recheio do Ramalhete.

No jardim, a Vénus enferrujada e a cascata sem água sublinham a decadência.

O Ramalhete acompanha e simboliza a glória e a decadência dos Maias.

O Ramalhete é uma casa afastada do centro de Lisboa, na altura, num local elevado da cidade, no bairro onde hoje se situa o Museu Nacional de Arte Antiga. O seu nome deriva do painel de azulejos com um ramo de girassóis pintados que se encontrava no lugar heráldico, ao invés do brasão de família. Estes girassóis não são desapropriados, pois simbolizam a ligação da família à terra, à agricultura.

O Ramalhete corresponde à descrição do palácio do Conde de Sabugosa, grande amigo de Eça de Queiroz e membro do grupo dos «Vencidos da Vida». As paredes severas e a tímida fila de janelinhas são ainda visíveis nas fachadas do casarão.

Em Os Maias, o Ramalhete é visto em três perspetivas diferentes:

  •  - Posto ao abandono
  •  - Habitada por Carlos da Maia e o avô, depois de decorada por um inglês (Jones Bule).
  •  - Dez anos depois, posta novamente ao abandono, depois de ser habitada dois anos (2ª perspetiva)

Quatro elementos são de indiscutível importância na caracterização do edifício em cada uma das perspetivas. São eles um cipreste e um cedro, uma cascatazinha e uma estátua de Vénus Citereia.

Primeira perspetiva

Na primeira perspetiva o Ramalhete é descrito como um inútil pardieiro (palavras de Vilaça) e simples depósito das mobílias vindas dos palacetes de Benfica e Tojeira, vendidos recentemente (1870). Vilaça não concordava com a compra deste palacete, pois tinha sido em Benfica que Pedro da Maia se suicidara, para além de que aquela casa ser a ilustre morada da família.

Era um edifício de paredes severas. Tinha um terraço de tijolo e um pobre quintal inculto, onde envelheciam um cipreste e um cedro, permanecia uma cascatazinha seca e jazia a um canto uma estátua de Vénus Citereia. A descrição de cada um desses elementos, dá-nos a ideia de que este é um local votado ao abandono.

Um dos elementos principais na descrição do Ramalhete, é uma estátua de Vénus Citereia, identidade reconhecida por Monsenhor Buccarini, Núncio de Sua Santidade.
    • Vénus Citereia
"... enegrecendo a um canto na lenta humidade das ramagens silvestres."
Enegrecendo - O uso do gerúndio confere uma ideia de continuidade que já vem do passado.
Canto - Esta expressão reforça a ideia de abandono do local. Geralmente um canto é um local solitário e esquecido, ao passo que a estátua de Vénus acompanha o estado de abandono do edifício.
Lenta humidade - Esta expressão é uma marca do estilo pessoal do autor. O objetivo, ao trocar muito por lento, é realçar o passar dos anos, e não a quantidade de humidade.
    • Cascatazinha
"... uma cascatazinha seca"
Cascatazinha seca - Este adjetivo simboliza a ausência de vida. O uso do diminutivo inclui na obra queirosiana, geralmente, uma caracterização depreciativa e irónica. No entanto, aqui o de Eça é dar a impressão de que é algo simples, singelo.
    • Cipreste e cedro
Simbolizam a morte, por associação do cipreste aos cemitérios, em Portugal.
Sem nenhuma descrição adicional.

Segunda perspetiva

Depois de decorado por um inglês o edifício tem agora um aspeto rejubilante, novo e limpo. Esta perspetiva simboliza o apogeu do Ramalhete. Entretanto, permanece ainda o estilo romântico, bucólico e um certo melancolismo dramático. Enquanto dois elementos nos levam para um ambiente próspero, outros dois, nomeadamente o cedro e o cipreste, continuam a ser um espectro da tragédia, pois são aqui descritos como dois amigos tristes.

    • Vénus Citereia
"... parecia ter chegado de Versalhes."
Chegado de Versalhes - Esta metáfora simboliza o apogeu da estátua e, consequentemente das duas protagonistas das intrigas principal e secundária, Maria Eduarda e Maria Monforte, respetivamente. Só esta expressão bastaria para descrever o ambiente do Ramalhete durante a segunda perspetiva, pois dá conta da sua resplandecência.
    • Cascatazinha
"... uma delícia"
Delícia - O que antes era uma cascatazinha seca, é descrita agora como uma delícia. Esta expressão simboliza a vida e alegria, assim como algo ternurento.
    • Cipreste e cedro
"... envelhecendo juntos como dois amigos tristes"
Envelhecendo - Novamente o uso do gerúndio: ação contínua.
Amigos tristes - Esta comparação confere uma sensação de ambiguidade, dentro desta perspetiva, pois remete-nos para uma carga melancólica, ao passo que todos os outros elementos acompanham o aspeto novo e pleno de vida do edifício.

Terceira perspetiva

Na terceira perspetiva, a casa e o ambiente que a envolve que a caracteriza, torna a ser descrito de forma melodramática. Esta perspetiva é dada dez anos depois de Maria Eduarda e Carlos da Maia cometerem o incesto, período no qual ele torna a Lisboa, antes de partir para o Japão em viagem. Este último capítulo é aproveitado novamente para descrever Portugal, depois de dez anos, onde poucas mudanças se notavam. Com João da Ega, Carlos da Maia percorre os locais que havia frequentado, até chegar ao velho casarão de novo votado ao abandono, tal como o conheceram. Todos os elementos que habitualmente caracterizam o palacete nas outras duas perspetivas, vão voltar a transmitir o abandono e a melancolia daquele espaço.

    • Vénus Citereia
"... uma ferrugem verde, de humidade, cobria os grossos membros da Vénus Citereia."
Grossos membros - Enquanto na primeira perspetiva, a que está mais próxima desta terceira, a estátua ainda parece conservar alguma da sua beleza, nesta descrição os seus membros são tratados como "grossos", sinal da feiura a que o abandono a votou.
    • Cascatazinha
"... e mais lento corria o prantozinho da cascata."
Prantozinho da cascata - Esta expressão significa que da cascata, que na segunda perspetiva, parecia uma delícia, escorriam agora lentas lágrimas.
    • Cipreste e Cedro
"... envelheciam juntos, como dois amigos num ermo."
Como dois amigos num ermo - O uso da expressão ermo, invoca, mais que abandono, inexistência de vida, visto que, pelo significado, ermo é um campo deserto.

Espaços interiores d`O Ramalhete mencionados na obra:

  • Sala de convívio e lazer

Chamava-se fumoir; era a sala mais frequentada e cómoda do Ramalhete; era quente e um pouco escura com estofos de cores escuras.

  • Escritório de Afonso ("como uma severa câmara de prelado")

Era decorado com um quadro de Cristo na cruz; um estilo clássico; muitas janelas; panos brancos (sinal da morte de Afonso e Pedro) - "símbolo da mortalha"

  • Quarto de Carlos ("como um ar de quarto de bailarina")
  • Jardins

Simbologias:

Cores:

  • Vermelho (paixão excessiva e destruidora)
  • Dourado (luxo)
  • Verde cor-de-musgo (decoração moderna)

Luxo:

  • Cores
  • Tapeçarias
  • Escadaria principal
  • Decoração
  • Mármore (clássico)

Citações da obra: (cap. I)

Fachada

A fachada do Ramalhete foi a única secção da casa que ainda se manteve intacta depois das obras.

“Sombrio casarão de paredes severas; com um renque de estreitas varandas de ferro no primeiro andar, por cima uma tímida fila de janelinhas abrigadas à beira do telhado, tinha o aspecto tristonho de residência eclesiástica que competia a uma edificação dos tempos da S. D. Maria I, com uma sineta e com uma cruz no topo, assemelhar-se-ia a um colégio de jesuítas.”.

Jardim

“Ao fundo de um terraço de tijolo, um pobre quintal inculto, abandonado às ervas bravas, com um cipreste, um cedro, uma cascatazinha seca, um tanque entulhado, e uma estátua de mármore (onde Monsenhor reconheceu logo Vénus Citereia) enegrecendo a um canto na lenta humidade das ramagens.”

As obras

As obras começaram sob o comando de um Esteves (amigo e compadre de Vilaça); este artista tinha a ideia de construir uma escada aparatosa, flanqueada por duas figuras, simbolizando as conquistas da Guiné e da Índia, e uma cascata de louça na sala de jantar.

Após a vinda de Carlos, e com ele a vinda de Jones Bules, um arquiteto – decorador londrino, os planos para o Ramalhete mudaram; as obras agora tinham o objetivo de ali criar um interior confortável, de luxo inteligente e sábio.

Após as obras:

O pátio

“[...] com um pavimento quadrilhado de mármores brancos e vermelhos, plantas decorativas, vasos de Quimper, e dois longos bancos feudais que Carlos trouxera de Espanha, trabalhados em talha, solenes como coros de catedral”.

Antecâmara

“Revestida como uma tenda de estofos do Oriente, todo o rumor de passos morria: e ornavam-na divãs cobertos de tapetes persas, largos pratos mouriscos com reflexos metálicos de cobre, uma harmonia de tons severos, onde destacava, na brancura imaculada do mármore, uma figura de rapariga friorenta, arrepiando-se, rindo, ao meter o pezinho na água”.

O Corredor

“Da antecâmara surgia um amplo corredor ornado com as peças ricas de Benfica, arcas góticas, jarrões da Índia e antigos quadros devotos”.

O Salão Nobre

“ […] todo em brocados de veludo cor de musgo de Outono, havia uma bela tela de Constable, o retrato da sogra de Afonso, a condessa de Runa, de tricorne de plumas e vestido escarlate de caçadora inglesa, sobre um fundo de paisagem enevoada.”.

Numa sala mais pequena

“ […] Tinha um ar de século XVIII com seus móveis enramalhetados de ouro, as suas sedas de ramagens brilhantes: duas tapeçarias de Gobelins desmaiadas, em tons cinzentos, cobriam as paredes de pastores e de arvoredos”.

“Defronte era o bilhar, forrado de um couro moderno trazido por Jones Bule, onde, por entre a desordem de ramagens verde-garrafa, esvoaçavam cegonhas prateadas.”.

O “fumoir”

“[…] Cómoda do Ramalhete: as otomanas tinham a fofa vastidão de leitos; e o conchego quente e um pouco sombrio dos estofos escarlates e pretos era alegrado pelas cores cantantes de velhas faianças holandesas."

O escritório de Afonso

“[…] Revestido de damascos vermelhos com uma velha câmara de prelado. A maciça mesa de pau-preto, as estantes baixas de carvalho lavrado, o solene luxo das encadernações, tudo tinha ali uma feição austera de paz estudiosa — realçada ainda por um quadro atribuído a Rubens, antiga relíquia da casa, um Cristo na Cruz, destacando a sua nudez de atleta sobre um céu de poente revolto e rubro. Ao lado do fogão, Carlos arranjara um canto para o avô com um biombo japonês bordado a ouro, uma pele de urso branco, e uma venerável cadeira de braços, cuja tapeçaria mostrava ainda as armas dos Maias no desmaio da trama de seda.”.

No segundo andar

“No corredor do segundo andar guarnecido com retratos de família, estavam os quartos de Afonso. Carlos dispusera os seus, num ângulo da casa, com uma entrada particular, e janelas sobre o jardim: eram três gabinetes a seguir, sem portas, unidos pelo mesmo tapete: e os recostos acolchoados, a seda que forrava as paredes, faziam dizer ao Vilaça que aquilo não eram aposentos de médico — mas de dançarina!”

Outros Aspetos:

O luxo

“De resto, não desgostava do Ramalhete, apesar de Carlos, com o seu fervor pelo luxo dos climas frios, ter prodigalizado de mais as tapeçarias, os pesados reposteiros e os veludos.”.

O Quintal:

“[…] mas tinha o ar simpático, com os seus girassóis perfilados ao pé dos degraus do terraço, o cipreste e o cedro envelhecendo juntos como dois amigos tristes, e a Vénus Citereia parecendo agora, no seu tom claro de estátua de parque, ter chegado de Versalhes, do fundo do Grande Século... E desde que a água abundava, a cascatazinha era deliciosa, dentro do nicho de conchas, com os seus três pedregulhos arranjados em despenhadeiro bucólico, melancolizando aquele fundo de quintal soalheiro com um pranto de náiade doméstica, esfiado gota a gota na bacia de mármore.”.

A vista do terraço:

“[…] Donde outrora, decerto, se abrangia até ao mar. Mas as casas edificadas em redor, nos últimos anos, tinham tapado esse horizonte esplêndido. Agora, uma estreita tira de água e monte que se avistava entre dois prédios de cinco andares, separados por um corte de rua, formava toda a paisagem defronte do Ramalhete.”.

“E sempre ao fundo o pedaço de monte verde-negro, com um moinho parado no alto, e duas casas brancas ao rés da água, cheias de expressão — ora faiscantes e despedindo raios das vidraças acesas em brasa; ora tomando aos fins de tarde um ar pensativo, cobertas dos rosados tenros do poente, quase semelhantes a um rubor humano; e de uma tristeza arrepiada nos dias de chuva, tão sós, tão brancas, como nuas, sob o tempo agreste”.

A Cascata

Simboliza a regeneração e purificação (tradição judaico-cristã). A água aparece num espaço físico preciso que metaforicamente se reporta à família Maia e à sua decadência.

Curiosidade:

A cantora pop norte-americana Madonna comprou e habitou o Ramalhete (a Casa das Janelas Verdes), entre 2018 e 2019.

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